3 lições da ascensão impossível da Hyundai ao domínio global
(Em 3min) Como o governo coreano transformou uma montadora fracassada em gigante global bancando 17 anos de prejuízo
Como o governo coreano transformou uma montadora fracassada em gigante global bancando 17 anos de prejuízo
Olá!
O que é preciso para ir de produzir carros cujas portas caíam para se tornar a terceira maior montadora do mundo?
A maioria das pessoas vê a Hyundai hoje como uma marca global confiável e inovadora.
Mas poucos percebem que a empresa passou quase duas décadas sendo motivo de piada na indústria. Seu primeiro carro "coreano" em 1974 ainda usava motor japonês e design italiano. Peças de plástico rachavam, maçanetas se rompiam, freios falhavam e a pintura desbotava em semanas.
Por suas próprias estimativas, sua produtividade em 1991 não atingia metade da Honda e Toyota.
Ainda assim, hoje a Hyundai controla 80% do mercado automotivo da Coreia do Sul e é classificada como a terceira maior fabricante de carros globalmente. Esta transformação não aconteceu por acidente—foi resultado de decisões estratégicas deliberadas que a maioria das empresas ocidentais nunca teria paciência para executar.
Então hoje, vou compartilhar as 3 lições críticas da ascensão impossível da Hyundai que o Brasil pode aplicar para construir vantagem competitiva duradoura.
Vamos mergulhar.
Lição 1: Comprometer-se com aprendizado de longo prazo em vez de lucros de curto prazo
A transformação da Hyundai exigiu perdas sustentadas por mais de 15 anos antes de alcançar lucratividade.
Quando a Hyundai lançou seu primeiro carro "coreano" em 1974, eles sabiam que era inferior—ainda usava motor japonês e design italiano.
Peças de plástico rachavam, maçanetas se rompiam, freios falhavam e a pintura desbotava em semanas. Especialistas da indústria zombavam das ambições automotivas coreanas.
Mas em vez de abandonar o projeto ou cortar custos, a Hyundai e o governo coreano se comprometeram com uma estratégia de aprendizado de longo prazo que priorizou a construção de capacidades sobre retornos imediatos.
A empresa recebeu subsídios estatais massivos, proteção de concorrentes estrangeiros e direitos de monopólio em segmentos específicos.
Mas estes vieram com rigorosos requisitos de desempenho e metas de melhoria. O governo não apenas escrevia cheques em branco, eles exigiam progresso mensurável em qualidade, produtividade e capacidade tecnológica.
Esta abordagem exigiu paciência incrível.
A Hyundai perdeu dinheiro por anos enquanto sistematicamente adquiria tecnologia, treinava trabalhadores e construía expertise em manufatura.
A maioria das empresas ocidentais teria abandonado tal estratégia após 2-3 anos de perdas.
Mas este compromisso de longo prazo compensou. A estratégia de nacionalização da Hyundai foi impressionante: o conteúdo local cresceu de 21% em 1966 para mais de 60% em 1972 e para 92% em 1981, transformando completamente a operação de uma simples montagem para produção nacional integrada.
A imagem do meu livro Complexidade Econômica mostra visualmente essa jornada de aprendizado: a linha azul representa a evolução da complexidade da Coreia do Sul de 1962 a 2013, demonstrando como o país construiu sistematicamente suas capacidades tecnológicas ao longo de décadas.

Em meados dos anos 1980, quando tensões comerciais entre EUA e Japão criaram oportunidades para montadoras coreanas, a Hyundai estava pronta para capitalizar. Eles haviam passado mais de uma década construindo as capacidades fundamentais necessárias para competir globalmente.
A lição aqui é clara: vantagem competitiva sustentável requer paciência e disposição para investir em capacidades antes de buscar retornos.
Lição 2: Usar proteção estrategicamente para construir força competitiva, não para evitar competição
A Hyundai aproveitou a proteção governamental não para evitar competição, mas para se preparar para ela.
Muitas empresas buscam proteção da competição através de lobby, captura regulatória ou outras estratégias defensivas. Mas a Hyundai usou proteção diferentemente—como um escudo temporário enquanto construía força para competir sem ela.
O governo coreano restringiu montadoras estrangeiras e limitou o número de concorrentes domésticos.
Apenas Hyundai e Daewoo podiam produzir carros de passeio na Coreia. Este mercado protegido deu à Hyundai escala e oportunidades de aprendizado que não poderiam ter alcançado em um mercado aberto.
O resultado foi dramático: a participação da Hyundai no mercado nacional de automóveis de passeio saltou de 19,2% em 1970 para 73,9% em 1979.
Mas a proteção veio com condições.
O governo estabeleceu metas de produção, benchmarks de qualidade e requisitos de exportação. Empresas que falhassem em atender estes padrões perdiam sua proteção. A Samsung tentou entrar no mercado automotivo mas não conseguiu alcançar escala significativa e eventualmente saiu.
Mais importante, a Hyundai sabia que a proteção era temporária.
Eles usaram o respiro para sistematicamente melhorar suas capacidades, sabendo que eventualmente enfrentariam competição global.
Quando a Coreia abriu seu mercado automotivo nos anos 1990, a Hyundai estava pronta.
O insight chave é que proteção deve ser usada como preparação para competição, não escape dela. Se você não está ficando mais forte durante períodos protegidos, está apenas atrasando fracasso inevitável.
Lição 3: Integrar verticalmente para capturar valor e acelerar aprendizado
A Hyundai construiu um ecossistema empresarial integrado que permitiu subsídios cruzados e desenvolvimento acelerado de capacidades.
Enquanto a maioria das empresas automotivas foca apenas na manufatura de carros, a Hyundai desenvolveu capacidades através de múltiplas indústrias relacionadas. O Grupo Hyundai incluía divisões de construção, construção naval, aço e maquinário pesado junto com automotiva.
Esta integração serviu dois propósitos cruciais.
Primeiro, permitiu que divisões lucrativas subsidiassem perdas automotivas durante o longo período de aprendizado.
Os lucros de construção e construção naval da Hyundai ajudaram a financiar P&D automotivo e construção de capacidade.
Segundo, acelerou aprendizado tecnológico através de transferência de conhecimento entre indústrias.
Capacidades de engenharia desenvolvidas na construção naval informaram processos de manufatura automotiva. Experiência em construção ajudou com design de fábrica e gestão de projetos.
Conhecimento de produção de aço melhorou expertise em materiais.
Esta estratégia de ecossistema também forneceu alavancagem de negociação com fornecedores e clientes.
Quando a Hyundai precisava de componentes ou tecnologias específicas, eles podiam oferecer relacionamentos empresariais mais amplos além de apenas parcerias automotivas.
A estratégia de integração exigiu capital enorme e largura de banda de gestão.
Mas deu à Hyundai vantagens competitivas que empresas puramente automotivas não conseguiam igualar.
Eles podiam resistir a curvas de aprendizado mais longas, investir em capacidades que não dariam retorno por anos e desenvolver soluções técnicas únicas.
A imagem a seguir mostra o resultado contundente: em 2013, a Coreia do Sul aparece como um dos principais exportadores globais de automóveis, competindo de igual para igual com potências automotivas tradicionais.

A ascensão da Hyundai de piada da indústria a líder global demonstra que vantagem competitiva sustentável vem da construção paciente de capacidades, uso estratégico de proteção governamental e criação integrada de valor.
Explicações convencionais sobre o sucesso asiático frequentemente atribuem os resultados extraordinários da Coreia do Sul simplesmente à disciplina de mercado, investimento em educação e políticas de livre comércio.
Porém a trajetória da Hyundai revela um sistema muito mais sofisticado de coordenação Estado-empresa, políticas industriais seletivas e estratégias de inserção externa que contradizem fundamentalmente as interpretações neoliberais sobre desenvolvimento econômico.
A capacidade coreana de sustentar perdas por décadas, proteger setores estratégicos temporariamente e integrar verticalmente para acelerar aprendizado tecnológico demonstra mecanismos de catching-up que desafiam as receitas ortodoxas aplicadas no Brasil e na América Latina.
O caso da Hyundai ilustra perfeitamente os mecanismos de desenvolvimento que estudamos em nosso curso sobre o Milagre Asiático, onde analisamos como países como a Coreia do Sul utilizaram coordenação Estado-empresa e políticas industriais seletivas para construir capacidades competitivas globais.
A transformação é impressionante: em 1962, Europa e América do Norte dominavam completamente o mercado mundial de automóveis, com a Ásia tendo participação praticamente nula.
Em 1995, a Ásia já controlava 25% do mercado global - uma revolução silenciosa liderada por países como Coreia do Sul e Japão.

A questão não é se o Brasil pode se dar ao luxo de investir em capacidades de longo prazo—é se o país pode se dar ao luxo de não fazê-lo.
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🚨 Matrículas se encerram no dia 20 de Julho.
Abraços,
Paulo Gala
Graduado em Economia pela FEA-USP | Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo | Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY | Autor com +10,000 cópias de livros vendidas | Geriu carteiras de +R$ 3,000,000,000 | Professor na FGV/SP há 20 anos.