Por que exportamos minério mas importamos carros?
Por que a América Latina exporta minério de ferro mas importa carros?
Olá!
Por que a América Latina exporta minério de ferro mas importa carros?
Esta pergunta revela um paradoxo fundamental do nosso desenvolvimento econômico: produzimos o que o mundo já sabe fazer e consumimos o que não conseguimos criar.
Não se trata apenas de uma questão comercial, mas de uma escolha estratégica de desenvolvimento que nos separa das economias asiáticas que conseguiram trilhar um caminho diferente.
Enquanto países como Coreia do Sul, Taiwan e China utilizaram protecionismo temporário para construir capacidades competitivas globais, a América Latina criou estruturas produtivas defensivas, incapazes de conquistar mercados externos e gerar inovação tecnológica.
Hoje vou explicar as três principais diferenças estruturais que explicam por que ainda exportamos matérias-primas e importamos produtos sofisticados.
Vamos analisar cada uma delas.
O protecionismo asiático foi orientado para exportações, o nosso para mercados cativos
A primeira diferença fundamental está na orientação estratégica do protecionismo. Enquanto a América Latina utilizou proteção comercial para criar mercados domésticos cativos, o Sudeste Asiático implementou uma política industrial agressiva orientada para exportações de manufaturados.

O contraste entre México e Vietnã ilustra perfeitamente essa diferença estratégica. Enquanto o México manteve uma trajetória de baixo crescimento de produtividade, chegando a -0,2% anuais no período recente, o Vietnã - que iniciou suas reformas econômicas (Đổi Mới) apenas em 1986 - conseguiu acelerar dramaticamente sua produtividade para 4,7% anuais. Esta divergência mostra como a orientação para exportações pode transformar uma economia em poucas décadas.
Na América Latina, o protecionismo excessivo fez com que as empresas se tornassem dependentes do mercado interno, perdendo o ímpeto exportador. Como destaca a literatura sobre desenvolvimento econômico, a sobrevalorização cambial deixou de ser funcional para o desenvolvimento do continente, especialmente depois da fase de industrialização substitutiva de importações.

A comparação entre Brasil e Coreia é ainda mais reveladora. Até 1980, ambos os países seguiam trajetórias similares de desenvolvimento, com crescimento comparável de PIB e produtividade. A partir dos anos 1980, suas estratégias divergiram completamente: enquanto o Brasil estagnou com crescimento de produtividade de apenas 0,1% anuais, a Coreia manteve um crescimento robusto de 6,0% anuais, demonstrando o impacto de escolhas estratégicas distintas.
Países como Brasil e México ficaram "viciados" no mercado interno durante décadas. O que deveria ter sido uma catapulta para conquistar o mercado mundial, como fizeram os asiáticos, virou fim em si mesmo. A classe capitalista latino-americana não foi suficientemente aguerrida para conquistar mercados externos, criando estruturas produtivas defensivas.
Do outro lado, o Leste da Ásia usou protecionismo com pragmatismo, criando gigantes competitivos e eficientes. Países asiáticos perseguiram programas de incentivo às exportações para conquistar mercados mundiais, praticando, como regra, um câmbio real competitivo.
A abertura dos anos 1990 expôs fragilidades sem criar capacidades
A segunda razão está relacionada ao timing e à forma da abertura comercial. A abertura dos anos 1990 expôs as fragilidades do modelo latino-americano sem que houvesse sido construída capacidade competitiva prévia.
Empresas não competitivas, acostumadas com mercados protegidos, perderam espaço tanto domesticamente quanto em mercados internacionais. A sobrevalorização cambial da era FHC e da era Lula no Brasil, por exemplo, agravou essa desindustrialização, reforçando o sinal de produção para abastecer apenas o mercado nacional.
O contraste com a abertura asiática é revelador. A China fez a abertura comercial de forma gradual, em conjunto com um complexo sistema de tarifas, barreiras não tarifárias e licenças. O governo chinês usou um sistema de estímulos e controles para promover eficiência e competitividade, sempre focando na construção de capacidades produtivas locais.
Na América Latina, sem estímulos para produzir domesticamente por conta do câmbio apreciado e sem condições de competir mundialmente, o empresário industrial passou a ser importador, montador ou simplesmente encerrou seu negócio. Houve enorme perda de sofisticação produtiva, especialmente após 2010.
Essas diferentes trajetórias de desenvolvimento - o modelo asiático focado em exportações versus o modelo latino-americano voltado para substituição de importações - são temas que analisamos em profundidade na nossa Escola de Complexidade Econômica e Desenvolvimento Produtivo, tanto em nosso curso sobre História Econômica do Brasil quanto nos cursos sobre a Coreia do Sul e o Milagre Asiático, e sobre a Queda da Argentina e o Fracasso da América Latina, onde estudamos como essas escolhas estratégicas moldaram as capacidades produtivas e a inserção internacional de diferentes regiões. Acesse as ementas clicando aqui.
O boom das commodities intensificou a doença holandesa
A terceira diferença estrutural foi como cada região lidou com a abundância de recursos naturais. O boom das commodities (2000-2014) intensificou a reprimarização na América Latina, enquanto países asiáticos conseguiram diversificar suas economias.

Os dados da América Latina como um todo confirmam essa estagnação estrutural. Durante o período de Industrialização por Substituição de Importações (ISI, 1950-1980), a região mantinha crescimento de produtividade de 3,3% anuais. Após 1980, com a mudança para o modelo de Economia Desregulada (ED), esse crescimento despencou para apenas 0,1% anuais, evidenciando a incapacidade de construir capacidades competitivas sustentáveis.
Preços elevados de minério, soja e petróleo reforçaram a especialização primária em toda a região. A apreciação cambial decorrente do boom prejudicou setores manufatureiros, provocando o que os economistas chamam de "doença holandesa" - a perda de complexidade econômica devido à sobrevalorização da moeda.
Em 2014, cinco produtos responderam por quase 50% das exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes. Houve desindustrialização relevante no Brasil e perda generalizada de complexidade econômica nos países da região.
Países como Noruega, Finlândia e Malásia conseguiram trilhar um caminho diferente, sofisticando seu tecido produtivo apesar da riqueza em recursos naturais. A Noruega, por exemplo, utilizou elevados impostos sobre exportação de petróleo para neutralizar a doença holandesa.
Os países asiáticos que obtiveram sucesso conseguiram avançar na construção de complexidade "feita em casa", com capital próprio, criando empresas globais de capital nacional. A grande diferença residiu no regime de comércio e na administração macroeconômica: enquanto a América Latina se concentrou em substituição de importações para o mercado interno, com forte viés para apreciações cambiais, os asiáticos perseguiram o crescimento orientado para exportações.
O desafio permanece: como romper o ciclo de boom e bust das commodities e construir uma economia baseada em conhecimento? A resposta requer políticas industriais sofisticadas que promovam diversificação produtiva, capacidades tecnológicas locais e inserção competitiva em mercados globais de manufaturados.
O México representa um caso específico nesse contexto: especializou-se como montador de produtos asiáticos destinados ao mercado americano, mas embora exporte bens complexos, não desenvolve genuína capacidade tecnológica nacional - apenas se integra passivamente às cadeias globais de valor.
A diferença fundamental está na estratégia de desenvolvimento: enquanto países asiáticos usaram protecionismo temporário para construir capacidades competitivas globais, a América Latina criou estruturas produtivas defensivas, incapazes de conquistar mercados externos e gerar inovação tecnológica.
Um grande abraço!
Paulo Gala
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