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A elite do atraso NÃO quer fazer nada mais que não seja uma atividade extrativista e barata em know-how e mão de obra. Como transformar isso no tão aclamado progresso se os meios de produção estão aprisionados por essa elite?

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Avatar de Marco Ortega

Primeiro, agradeço profundamente pelos dados apresentados e pela oportunidade do diálogo, que amplia minha visão, para entender o contexto social em que vivemos. Fundamental para lidar com temas da Saúde Existencial, área em que atuo e sobre a qual venho publicando aqui no Substack. Neste sentido proponho que também voltemos o olhar para a Economia Solidária — até onde entendo, ainda pouco presente nos debates econômicos.

Gostaria de também de contribuir com algumas reflexões, destacando os trechos que mais me chamaram a atenção.

É apenas um exercício de reflexão e, por favor, me corrijam se eu estiver ignorando algo.

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" Este paradoxo de como uma economia com enormes vantagens iniciais perdeu dinamismo enquanto outras avançaram rapidamente desafia as explicações econômicas convencionais e revela falhas estruturais profundas em nosso modelo de desenvolvimento que vão muito além das políticas de curto prazo. "

Não vejo um paradoxo.

Vejo uma estratégia que funciona muito bem desde o Brasil Colônia.

As pessoas que controlam essas commodities cafeeiras vivem de maneira extremamente confortável e jamais demonstraram qualquer interesse em mudar seu modus operandi.

Isso fica nítido na polarização dos partidos políticos. O discurso de melhores condições de vida para os trabalhadores, distribuição de renda dos valores arrecadados pelos lucros da produção, investimento em tecnologia por meio da construção de polos educacionais técnicos de desenvolvimento, e todas as condições que poderiam mudar esse quadro apresentado nesta brilhante publicação não é tema de interesse dos proprietários das commodities — tanto é um fato que seus votos e apoio político, inclusive com muito dinheiro e poderosos lobbies dentro da política, estão direcionados àqueles que defendem a manutenção do modelo concentrador de riqueza.

Esse alinhamento ficou particularmente evidente no governo passado, cuja agenda foi marcada pelo desmonte de políticas públicas, pela flexibilização ambiental e pelo enfraquecimento de instituições em benefício direto do agronegócio exportador — com custos sociais profundos, como o aumento da fome, a precarização do trabalho e a destruição de mecanismos de proteção socioambiental, em articulação com outros setores que compartilham a mesma lógica predatória, como os garimpos ilegais e madeireiras. ( Um quadro amplamente documentado.)

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" Porque no final, a questão fundamental permanece: queremos ser potência ou peão no tabuleiro global do café? "

Em relação a essa questão, entendo que, nesse tabuleiro, seremos sempre os peões — independentemente do lado em que estivermos jogando. Somos apenas peças de troca, utilizadas para que as figuras mais altas da hierarquia avancem algumas casas. Essa é a nossa posição no jogo. Sob essa perspectiva, não se trata de mudar as regras, mas de mudar o próprio jogo, rompendo com as estruturas do capitalismo — onde ocupamos posições rigidamente definidas, com raras exceções, usadas como retorica que apenas reforçam a ilusão da ascensão e da mobilidade socioeconômica.

Esse jogo não foi feito para permitir mudanças reais de posição: por regra, o peão não se tornará um cavalo, uma torre ou um bispo — assim como essas peças jamais se tornarão o rei ou a rainha. É uma lógica rígida, quase como um sistema de castas, disfarçado sob a aparência de mérito e mobilidade embaladas pela indústria cultural que distorce os valores e a história.

Para isso, cito a falácia do PIB: onde vemos o brasileiro que não pertence à "Elite do Atraso" (como Mara lembrou na resposta acima — ver Jessé Souza) comemorando o crescimento de quem o explora e, enquanto é explorado, admira a competência do explorador.

Semelhantes aos que comemoram a vitória de um time de futebol, gritando com suas bandeiras em mãos: “Ganhamos a taça!”, apesar de nunca terem entrado em campo e de ser um jogo que não altera em nada suas vidas, essas pessoas adoram ídolos inventados que, em troca, consomem sua atenção, afrouxam sua cognição e moldam seus valores.

Com isso, não estou dizendo que o PIB não seja importante, mas que estamos desviando o foco de nossas necessidades enquanto olhamos para os números e esquecemos de nós — como sociedade, em comum, como humanidade.

Por exemplo: conforme os números crescem e comemoramos o aumento do PIB diante da tela da Rede Globo, conseguimos identificar uma correlação causal com melhorias na qualidade da escola pública? Com o aumento do salário dos professores?

Ou, ao notar o crescimento do PIB, o posto de saúde do seu bairro recebe uma ambulância para emergências?

Com o aumento do PIB, aquela praça da periferia — cheia de ratos e acumulando lixo — poderia se transformar em um agradável parque educacional, onde jovens, crianças, adultos e idosos pudessem se divertir e interagir com a cultura — como ocorre em diversas praças públicas de regiões de classe média alta?

Ou faz diferença apenas para aquelas pessoas que pousam com seus helicópteros no topo dos prédios, enquanto simples mortais se silenciam diante do barulho ensurdecedor e sacam seus telefones, admirados, para filmar o evento, sem se questionar o custo social ($) desse conforto a anos-luz de suas realidades?

Desse modo, gostaria de contribuir para ampliar a visão em relação à corrida pelo “crescimento econômico” no tabuleiro do capitalismo, principalmente dentro de um país de mentalidade colonialista. Precisamos, assim, acima de tudo, mudar a mentalidade do brasileiro, pois é isso que está nos enlouquecendo enquanto lidamos com a economia, entendida como a organização da nossa “grande casa” — a economia social.

(Do grego: oikos = lar; nomos = gestão)

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" E o mais irônico: muitas vezes importamos de volta, a preços premium, produtos feitos com nosso próprio café. "

Aqui também não vejo esse fenômeno como uma ironia, pois, sendo o Brasil um dos países com maior desigualdade do mundo — onde há muita riqueza e muita gente pobre —, o setor cafeeiro é protagonista dessa história, desenhada para ser como é e continuar como está. Ou seja, vejo isso como um projeto de sucesso.

Haja vista as histórias da própria universidade no Brasil, em especial o curso de Direito e sua relação com os Senhores do Café, atendendo os interesses da burguesia agroexportadora especialmente a cafeicultura paulista mantendo o mesmo status quo até os dias atuais.

Em 1894, a eleição de Prudente de Morais colocou "à frente do processo político cafeicultores paulistas e a elite econômica e política mineira, os quais instalaram um 'situacionismo permanente”

“As relações de produção em vigor abrangiam várias formas de exploração do trabalho. No campo, vínculos empregatícios contaminados pela prática do favor prendiam empregados a patrões por dívidas muitas vezes impossíveis de saldar e configuravam situações que beiravam à escravidão.”

Estado, ciência e política na Primeira República: a desqualificação dos pobres

doi.org/10.1590/S0103-40141999000100017

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